domingo, 19 de dezembro de 2010

NATAL INCONTORNÁVEL

É incontornável que nesta semana falemos do Natal. Do Natal dos que têm, e vão para o Brasil apanhar sol e aparecer em Janeiro com um “bronze” de meter inveja. Dos que esbanjam em presentes milionários, como se não houvesse amanhã. Dos que compensam a falta do afecto que deveriam prodigalizar durante o ano com a oferta de relógios, de roupas de marca, de computadores. Mas também do Natal dos que nada têm. Dos que estendem a mão à caridade pelas ruas, dos que vegetam nas valetas da vida, dos que não sabem o que colocar na mesa de Consoada, quando conseguem ter mesa para terem Consoada. Dos desempregados, que são cada vez mais e que querem mas não podem. Dos idosos, cujas magras reformas não dão grande bacalhau.
Do Natal dos contrastes, do Natal do absurdo da condição humana, do desequilíbrio dos rendimentos, com uma minoria da população a deter a maioria dos bens, rendimentos e propriedades.
Do Natal que é uma injustiça, a replicar a injustiça de todo o ano, para mais numa altura em que a crise aperta e o pesadelo desperta.
É incontornável falar de um Natal que mais não representa, hoje um dia, que um despudorado e diabólico estendal de comércio e de ostentação de materialismo. Apenas associamos esta quadra à dádiva e recebimento de prendas, ao consumismo mais desenfreado e fútil. Adquirimos o que, vistas as coisas, não presta para ninguém. Um bibelô que ninguém vai aproveitar, um cachecol que não sairá da gaveta, um CD que não era propriamente o do nosso artista favorito. Compramos, compramos, compramos. A esmo. Para a esposa, para os filhos, para os pais, para os irmãos, para os avós, para os sobrinhos, para os primos, para os afilhados, para os amigos, para os vizinhos. Não fica ninguém sem uma lembrança de mais um Natal, “com aquele abraço, a maior simpatia e os melhores cumprimentos”.
Afadigamo-nos, por estes dias, nos corredores dos hipermercados, entramos em todas as lojas, aos encontrões, exploramos etiquetas, ordenamos a compra, passamos pela caixa e saímos, alegres, aliviados, com mais um saco pela mão, a somar à dezena que já carregávamos quando entrámos.
De fora do Natal ficam os sentimentos, a alma, o coração. Brandimos a solidariedade da quadra, é certo, tecemos belos poemas à amizade, ao altruísmo, ao humanismo que deve enformar os nossos comportamentos, pelo menos uma vez cada ano, já que não convém que o seja ao longo dos 365 dias. “Hoje é dia de ser bom… Paz na Terra aos homens de boa vontade”… Endereçamos dezenas, centenas de criativas mensagens de “Boas Festas” por telemóvel, por correio electrónico, ou através de postais, mas não somos capazes de olhar cara a cara o nosso amigo, ou de lhe dar uma palavra “ao vivo”. Quanto mais meios de comunicação se inventam, menos relacionamento humano existe.
E, no fim, nada sobra de valores; regurgitam os embrulhos, coloridamente fitados, e são esses que nos transmitem a possível felicidade do Natal.
Um Natal em que deveria ter lugar cativo mais o Menino Jesus da minha infância (felizmente agora ressuscitado…), nu, sorridente e rechonchudo, símbolo da esperança e das raízes, de tudo o que inexoravelmente começa, do que o velho bonacheirão Pai Natal, essa desgraça inventada pela Coca-Cola para dominar o gosto líquido do mundo. O Menino Jesus do Alberto Caeiro, uma criança bonita de riso e natural, que ensina a olhar para as coisas, que aponta toda a beleza que há nas flores, a Eterna Criança, o deus que faltava, o humano que é natural, o divino que sorri e brinca, e que dorme dentro da minha alma, e às vezes acorda de noite a divertir-se com os meus sonhos.
É essa magia que falta no Natal, esse insondável sortilégio das coisas mais simples, dos sonhos e das fantasias, no fundo, dos afectos que entrelaçam o que de humano deve existir em cada homem.
Incontornável, finalmente, é que aqui deixe os meus votos do mais feliz Natal para os meus escassos leitores. E que, se possível, o espírito positivo do Natal se estenda por todo o ano, que bem dele necessitamos para lidar com o duro quotidiano que nos calhou em sorte!…
Foto: Manuel Meira

2 comentários:

Luísa disse...

Eu sou uma das suas leitoras, assidua!
Sou uma das que olha de perto as palavras pos si escritas e as sente tocar bem alto, como notas afinadas numa pauta melódica da vida!
Notas mais informativas, notas mais históricas, notas mais emotivas, notas nunca soltas nem vãs.
Só quem sente Natal todos os dias, pode notar a correria às compras, a azáfama desenfreada e quase louca, do povo que se apressa a celebrar o que já não é Natal.
Cabe-nos fazer a diferença e olhar a fome para além desta época festiva.
Como diz um amiga meu, enquanro observa esta loucura: "ainda bem que os pobres só têm fome no Natal e que as crianças só precisam de brinquedos no dia em que nasceu o Menino"!!!!
Ironias à parte, eu sei que o Dr. Coimbra sabe fazer NATAL todos os dias!
Mil beijinhos e votos de um SANTO NATAL!

ARTUR COIMBRA disse...

Cara amiga, Dra. Luísa:
agradeço imenso as suas luminosas palavras amigas e só me envergonho de não conseguir acompanhar todos os seus belíssimos poemas, derramados no seu delicioso blogue (http://umolhardeperto.blogspot.com/), como merece. Aliás, merecem a sua edição em livro, como lhe tenho referido em diversas ocasiões. Desculpe-me.
O Natal é, na verdade, a estação do ano mais celeste e deleitosa. Eu adoro estes dias, se bem que tenha de reconhecer a hipocrisia que por aí campeia, o cinismo e o impudor que fazem escola. Pelo Natal, todos somos bonzinhos, altruístas, corações de manteiga, mas o coração não muda. E o que era necessário era que o espírito de Natal iluminasse todos os dias do ano.
Daí este desabafo...
Também eu lhe desejo um Santo e Feliz Natal, na companhia do marido e da afectuosa descendência.
Retribuo os mil beijinhos!...