sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O TRIUNFO DA IMORALIDADE

Três situações conhecidas entre quinta e sexta-feira denunciam um país onde, apesar de os governantes fazerem profissões de fé em sentido contrário, triunfa a imoralidade, a desigualdade, o que, naturalmente, só pode suscitar a indignação dos cidadãos. Vamos a elas:
1. Na quinta-feira, após um grotesco golpe palaciano de Francisco Assis, líder parlamentar do PS, que ameaçou demitir-se se a votação não fosse no sentido da sua vontade impositiva (um democrata de curta data, este chantagista Assis…), o PS, o PSD e o CDS mancomunaram-se para derrotar uma proposta do PCP que visava a tributação dos dividendos (lucros) das empresas participadas pelo Estado, ainda em 2010. Como se sabe, algumas empresas, como a PT, a Portucel ou a Jerónimo Martins decidiram antecipar para este mês a distribuição dos dividendos aos accionistas, que se deveria, normalmente, processar no próximo ano. A manobra é de uma clareza meridiana: fugir aos impostos. O Estado fica sem alguns milhões, que tão caros eram para mitigar o enorme buraco financeiro das suas contas públicas. O PCP, vendo bem a situação, pretendia taxar esses lucros imoralmente pagos com antecedência para fugir ao fisco. O que fizeram, então, Assis e Companhia? Pura e simplesmente, rejeitaram a proposta dos comunistas. Ou seja, tornaram-se coniventes, na prática, com a fuga ao fisco que vai beneficiar inúmeros accionistas das referidas empresas, em prejuízo das finanças públicas, que a Francisco Assis cumpria acautelar. Ele que até é (ou se diz) socialista…
Uma decisão destas não é apenas imoral e indigna de um partido que se diz socialista, numa altura em que a crise grassa, o povo empobrece e todos os recursos são bem-vindos. É também a confissão de que o PS e a direita estão, na prática, ao serviço do poder económico. O Partido Socialista, de tão grandiosas tradições de justiça social, hoje por hoje, é fraco com os fortes (como se conclui, mais uma vez…) e forte com os fracos, aqueles que vivem dos rendimentos do trabalho, das reformas, das prestações sociais. A esses, o governo suga até ao tutano… Aos grandes, deixa-os com os dividendos por tributar, ou deixa-os escapar para os paraísos fiscais…
Ainda bem que se salvou a voz de um deputado inconformado com o pântano em que se transformou a política portuguesa, António José Seguro, ao afirmar que, ao desistir da tributação dos dividendos, o PS (e os outros), acabam por “contribuir para aumentar as desigualdades sociais, num país que já por si apresenta um enorme fosso entre os mais ricos e os mais pobres”.
Seguro, muito justamente, conclui que a vergonha do que foi decidido em plenário “não corresponde à matriz do PS”. Mário Soares deve estar indignado com estas decisões. Só pode…

2. A segunda situação foi hoje conhecida. Nos Açores, mais de 3 mil funcionários do Governo Regional vão ser “compensados” pelos cortes decretados pelo governo da República. O que significa que, no mesmo território português, há funcionários de primeira que não vão ser atingidos pelos “cortes” e funcionários de segunda que vão pagar a crise com língua de palmo.
Não apenas estamos em presença de uma situação de injustiça e de desigualdade, porque perante a mesma situação os trabalhadores vão ser tratados de maneira diferente, violando o espírito e a letra da Constituição da República, mas enfrentamos um desafio à autoridade do Estado Português por um governo regional socialista. É inacreditável que tal aconteça, como é vergonhoso o embaraço de Sócrates perante a inacreditável situação, que configura, bem vistas as coisas, uma flagrante quebra de solidariedade institucional dos responsáveis açorianos perante o todo nacional.
Sócrates só é forte perante os fracos!...

3. Também hoje se ficou a saber que os hospitais EPE ficam de fora dos cortes orçamentais decretados pelo governo. Depois da Caixa Geral de Depósitos, de empresas públicas, dos funcionários públicos açorianos, dos funcionários dos hospitais EPE, que funcionários é que vão pagar a crise? Os do costume!...
Mais uma vez se demonstra que esta República caminha para o reino das bananas!...

4. Este PS de Sócrates é um partido sem alma, sem valores, sem vergonha, sem moral, sem sentido de justiça. Está mais que na hora de dar lugar a quem seja detentor de princípios socialistas e autenticamente humanistas, que não se confundam com quaisquer derivas neo-liberais, que identificam a direita mas não a história e a matriz do Partido Socialista.
A crise que estamos a viver (e de que os pobres portugueses não são responsáveis), não justifica os atropelos, agressões e violações aos sagrados princípios que enformam um ideário republicano e socialista, que estas figuras estão muitíssimo longe de corporizar.


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