quinta-feira, 31 de março de 2011

Américo Lopes de Oliveira: 100 anos de memórias deste "escravo das letras"

Em 31 de Março de 1911, há exactamente cem anos, nascia em Lisboa uma criança a que dariam o nome de Américo Lopes de Oliveira, que depois cresceria e se tornaria jornalista e escritor, autor de uma vasta obra publicada sobre assuntos regionais e locais. Desde o início dos anos 80, veio para a cidade de Fafe e aqui publicou diversas obras de investigação, que ainda hoje constituem referência para os respectivos estudos. Por aqui se manteve durante mais de duas décadas. Faleceu em 17 de Maio de 2003, com mais de 90 anos, nesta cidade, em cujo cemitério se encontra sepultado.
Era um homem humilde, sincero, um escravo das letras e da cultura, que exercitou até ao fim dos seus dias. Fafe muito lhe fica a dever, por toda a sua actividade exclusivamente, intensamente, voltada para a defesa das coisas desta terra e das letras.
Era um homem ingénuo, por isso foi explorado, como se sabe, vergonhosamente, por gente sem escrúpulos.
Fui seu amigo sincero e fiquei com uma entrevista exclusiva que guardo religiosamente no meu arquivo. Foi um anjo que passou na vida de alguns fafenses, entre os quais me incluo, e por isso me curvo respeitosamente ante a sua feliz memória, que hoje quero recordar.

Lopes de Oliveira fez os estudos secundários em Lisboa, na Escola Nacional e no Liceu Gil Vicente, depois frequentou a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em Físico-químicas, o Instituto Industrial, cadeira de Estudos Camonianos, na Faculdade de Letras, bolseiro do Governo Espanhol, do Curso de Jornalismo, na Universidade Internacional Menendez Pelayo de Santander (1957-1959). Frequentou ainda a Escola Elementar dos CTT (1929-1932). Após efectuar estágios nas estações dos CTT do Barreiro e Santarém, foi admitido no 5º sector postal de Lisboa (1932), tendo desempenhado diversos serviços noutras áreas, quer em Lisboa quer em Braga, tendo sido aposentado, na categoria de 2º oficial, em 21-01-1959. Anteriormente fora funcionário na Caixa Geral de Depósitos, numa repartição da sua sede em Lisboa. Paralelamente a esta actividade, colaborou em jornais e revistas, desde os bancos escolares, tendo feito parte de diversas redacções, entre elas os diários Novidades, Diário do Norte, Diário de Lourenço Marques (como chefe de redacção). Foi correspondente dos diários bracarenses Diário do Minho e Correio do Minho, de O Primeiro de Janeiro, Diário Popular e Flama, redactor da Revista Latina, de Roma, da Agência Diga-me, Lógos e Ya de Espanha Fundou e dirigiu o Jornal de Fafe e o Cumeeira e manteve durante alguns anos a revista Panóplia.
No suplemento de Letras e Artes, do Novidades, criou uma rubrica denominada “Nas Colmeias das Artes”, focando artistas nacionais e estrangeiros, e, igualmente, criou um suplemento exclusivamente dedicado às Artes no Diário do Minho e ainda duas páginas, sob o título “Belas-Artes”, no Diário de Lourenço Marques, que se repetia no Século de Joanesburgo, da África do Sul. Igualmente tem colaborado em muitos jornais e revistas, quer nacionais quer estrangeiras, e na imprensa regional.




A convite dos governos, ou ainda como enviado especial, nas redacções a que pertenceu, deslocou-se por diversas vezes ao estrangeiro, percorrendo quase toda a Europa, África, América do Sul, neles proferindo, muitas vezes, conferências, ilustradas com música e cinema, sobre motivos do nosso país.
Pioneiras foram ideias suas propondo a criação, nas Faculdades de Letras, de cadeiras de História Medieval (1957) ou a realização do 1º Congresso dos Jornalistas (1967), que apenas se realizou, no pós-25 de Abril de 1974. Igualmente colaborou com rádios nacionais (Rádio Renascença e Emissora Nacional) e locais (Rádio Montelongo e Rádio Clube de Fafe).
Fez parte, não só como colaborador, mas como redactor, da volumosa obra Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, ao lado de António Sérgio e Manuel Mendes, entre outros vultos literários, e ainda da Enciclopédia Lello Universal do Porto. Colaborou ainda na Enciclopédia Ultramarina e no Dicionário da História da Igreja em Portugal. Está registado no Reportorio de Medievalismo Hispânico, do Departamento de Estudos Medievais de Barcelona (Julho de 1973).
Em 1980, veio viver para Fafe, a convite do então Presidente da Câmara Parcídio Summavielle, para escrever a primeira monografia sobre o concelho. Em 1983, foi instituído um prémio bienal que tem o seu nome, subsidiado por si e pela Câmara Municipal de Fafe, inicialmente para o género de ficção e monografia e ultimamente para a modalidade de «Estudos Histórico-Sociais, de âmbito local ou regional».
Fez um legado em vida ao município de Fafe, de todo o seu importante espólio, constituído por obras de arte, mobiliário e biblioteca e arquivo.
Foi sócio-correspondente da Real Academia da Corunha; delegado no nosso país da Academia Mondiale degli Artisti e Professionisti, de Roma (Itália); Conselheiro Nacional de Honra da Confederazione Generale Italiana Professionisti e Artistici, de Roma; membro do Centro Internacionale per Scambi Culturali e Artistici, de Roma; Conselheiro de Honra e correspondente do Instituto Fernando el Católico, de Saragoça (Espanha; sócio efectivo da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto; membro da Liga Efectiva Portugal-Brasil, de Lisboa e do Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia de Lisboa, entre outras instituições.Por ocasião do 40º aniversário da publicação do seu primeiro livro (Missões e Missionários - 1946), realizou-se na Casa da Cultura de Fafe, uma exposição bibliográfica, constituída por obras literárias, recortes de jornais e de revistas, fotografias, telas e desenhos, caricaturas, etc., que marcam a sua presença no campo cultural nacional e local. Pela mesma altura, Lopes de Oliveira foi distinguido com a Medalha de Prata de Mérito Concelhio, em cerimónia que decorreu nos Paços do Concelho, no âmbito do 25 de Abril de 1986.


 
Obras publicadas: Missões e Missionários (1946); Como Trabalham os Nossos Escritores (1950); Sentido Filosófico da Vida e Obra de Domingos Tarroso. Será ele o Precursor do Existencialismo? (1960); A Arte Oriental, e de Bizâncio sua Influência na Península Ibérica (1960); Dicionário Mundial de Mulheres Notáveis, de colaboração com o Prof. Dr. Mário Gonçalves Viana (1967); Miranda do Douro – O Menino Jesus da Cartolinha (1967, já em 7ª ed.); Ilhas de Bruma – Roteiro Açoriano, com prefácio do Prof. Dr. Vitorino Nemésio (1967); Vieira do Minho – A Montanha e a Água (1968); Castro Laboreiro – O Drama da Terra (1968); Arquipélago da Madeira – Epopeia Humana (1969); Jornais e Jornalistas Madeirenses (1969); Soajo – Uma Aldeia diferente «Cabeça de Montaria» (1970); Primeiro Jornal Bracarense – «O Cidadão Philantropo», (1970); Terras de Bouro e o Seu Concelho (1970); Maximiano Alves (1972); Caxineiros – Gentes de Vila do Conde (1973); Stela de Albuquerque (1975); Imprensa Bracarense (1976); Terras de Coura (1976); Valença do Minho (1978); Terras de Bouro (1980); Dicionário de Mulheres Célebres (1982); Fafe e o Seu Concelho (1982); Jornalismo em Fafe (1982); O Minho na Vida e Obra de Sá de Miranda (1982); Escritoras – Brasileiras, Galegas e Portuguesas (1983); Bombeiros Voluntários de Fafe (1984); «O Desforço» – Razão de uma Causa (1986); Imprensa Fafense (1989); Os CTT – Nas Artes, Ciências e Letras (1994); Angola-Moçambique – Entre a Guerra e a Paz (1994); Imprensa Vianense (1996); Nos Bastidores do Jornalismo (1997); Nas Colmeias da Arte (1997); Ares da Cabreira (1997); Das Artes-Dos Artistas (1998), O Passado no Presente (1999), No Mundo Artístico (2001) e Respigos do Passado (2001).
Respigos do Passado foi o seu último livro publicado, aos 90 anos de vida,
em 2001: agradeço eternamente a sua amizade
e a estima que sempre me devotou e era recíproca.


2 comentários:

montelongodesportivo@hotmail.com disse...

Lopes de Oliveira é, sem dúvida, uma referência das artes e das letras fafense. Foi com ele que dei os primeiros passos no Jornalismo. Também fiz muitas visitas guiadas por este vulto da cultura fafense a recantos históricos do Concelho de Fafe. Ajudou muita gente a imiscuir-se no jornalismo, mas foram poucos a acompanhá-lo à sua última morada. Eu estava lá mas, reparei, por que era fácil, que muitos daqueles a quem ele deu a mão se esqueceram de lhe prestar uma última homenagem. Até sempre Doutor Lopes de Oliveira. JOÃO CARLOS LOPES

Hugo Nofx disse...

Falaram-me neste Sr., sempre com enorme carinho. Vivia numa casa junto do bonito Museu da Imprensa. Desculpe-me se estou a fazer confusão. Nunca o ví pessoalmente, mas era uma personagem fascinante, o que é próprio dos seres misteriosos.
Abraço.