quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Caminhamos para um Estado Policial?

Duas notícias dos últimos tempos não auguram nada de bom para o futuro deste país e dos portugueses. São altamente preocupantes e denunciadoras de uma tentação securitária que não condiz com a democracia, mas acaba por ser herdeira de acções que a direita não se coíbe de tomar, quando está no poder e vêm já do longínquo tempo do consulado de uma década de Cavaco Silva (1985-1995), em que ficou célebre a carga policial sobre… uma manifestação de polícias.

1. A primeira das notícias veio no Diário de Notícias de domingo passado e reza que “Polícia e SIS já têm elementos no terreno para antecipar as acções de grupos organizados que podem criar grande agitação social”. Isto na perspectiva de que a agitação social deve crescer nos próximos meses e pode atingir proporções nunca vistas nos últimos 30 anos. “O descontentamento popular com a crise económica faz a polícia e os serviços secretos temerem actos violentos. Por isso, já têm agentes a identificar grupos e protagonistas da contestação” – refere o jornal.
Mas onde é que nos chegámos? Onde é que a polícia e os serviços de informação “antecipam” acções que não estão ainda organizadas, nem se sabe quanto acontecerão?
Mas que democracia é esta em que os indignados, ofendidos e maltratados pelas políticas opressivas e restritivas da direita não podem manifestar a sua indignação e a sua revolta?
Há quem considere, e com razão, que a eventualidade de tal vigilância sobre movimentos sociais é "inconstitucional”, sendo que se está a "instrumentalizar politicamente as forças de segurança". Além do mais, a recolha de informações, como lembrou no início da semana António Filipe, vice-presidente da bancada do PCP, que vai chamar o ministro da Administração Interna ao Parlamento, é "competência exclusiva dos Serviços de Informações, mas que estes estão constitucionalmente impedidos de o fazer em relação a movimentos sociais legais".
O direito à manifestação, à indignação, à revolta, é absolutamente legítimo, legal e constitucional.
Tentar coarctá-lo, com manobras intimidatórias, com o apelo à resignação, ao conformismo, à demissão cristã, como quer Passos Coelho, é, no mínimo, inqualificável, indigno e vil.
Não é democrático, nem digno de um país civilizado e europeu.
Só no terceiro mundo e nos países da América Latina se tolera o espírito de coação que está subjacente a tais práticas.
Reabilitado politicamente, o presidente Cavaco acaba de pedir aos portugueses “para não desistirem”…
É o que eles certamente não admitem fazer!...

2. A segunda notícia inquietante vem na sequência da anterior e acaba por fazer luz sobre as reais intenções do governo de Passos Coelho, assim desmascarado no seu “democratismo” musculado. Refere-se ao Orçamento de Estado para o próximo ano.
Não se percebe, não se tolera, nem se admite, numa altura de crise que, presumivelmente, afecta todos os portugueses: enquanto o orçamento da saúde para 2012 vai ser espoliado em 800 milhões de euros pelo governo, a educação é diminuída até níveis miseráveis, a segurança social nem falar, o ministério das polícias, vulgo Ministério da Administração Interna, vai, não apenas ficar sem cortes no próximo Orçamento de Estado, mas aumentar o valor, para 1 800 milhões de euros.
É um escândalo que tal aconteça, como é uma vergonha que vão ser dedicados 69 milhões de euros à “regularização dos graves problemas remuneratórios instalados na PSP e na GNR”, como sofisticamente avançou a imprensa.
Sem ofensa dos polícias beneficiados, não é admissível uma tão gritante injustiça entre trabalhadores afectos a funções públicas, nem a discriminação entre áreas. Os polícias são importantes, mas a saúde e a educação são bem mais fundamentais (o investimento nestas, dispensa o investimento naquelas).
Para um governo que exige sacrifícios a todos, que aposta na austeridade, que aumenta impostos com o maior despudor, que corta nos ordenados, aumentar o orçamento do MAI é uma indecorosa vergonha.
A estratégia desta pouca-vergonha é conquistar as forças policiais para o lado do governo, aumentar-lhe a auto-estima e o dinheiro nos bolsos, para que possam estar aptas a reprimir, quando for necessário, sem problemas de consciência ou de pagamento de horas extras, qualquer manifestação, tumulto ou expressão de descontentamento social.
Um governo que assim decide não merece a mínima complacência!...

3. E por falar nisso, foi miserável o cancelamento pelo ministro da Educação e Ciência dos prémios monetários aos melhores alunos das 464 escolas secundárias do país a dois dias da sua entrega e quando os contemplados já haviam sido avisados que os iriam receber.
As regras do jogo foram alteradas no final da sua realização, o que é no mínimo infame.
Para quem tanto enche a boca da necessidade de premiar o mérito e a excelência, dá vontade de os mandar para onde Mafoma mandou as botas!...

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