quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Fafe deve lutar pela marca que o identifica: “Capital da arquitectura dos brasileiros”

Se há alguma “marca” que distinga a cidade, do ponto de vista patrimonial, essa é, creio, a da arquitectura dos brasileiros de torna viagem que vai mantendo, genericamente e apesar de algumas lastimáveis lesões ao longo das décadas, as suas características constitutivas desde a respectiva edificação, a partir de meados do século XIX e até aos anos 30 do século passado.
É claro que sempre haverá outros candidatos ao “ranking” patrimonial, mas mais numa dimensão imaterial, como seja o caso da lenda da “justiça de Fafe”, a qual nos identifica, seguramente, para o bem e para o mal (mais para este do que para aquele); as bandas filarmónicas, conceituadas pelo país e pelo estrangeiro; a vitela assada, no que tem de saber e segredos que a tornam diferente e muito nossa.
Mas fortemente identitária, no último século e meio, é na verdade a arquitectura brasileira.
Porventura mais que em qualquer outra localidade minhota, a cidade de Fafe deve muito aos chamados brasileiros de torna-viagem, tão conhecidos quanto ridicularizados no seu tempo. Indubitavelmente que foi decisivo o seu papel no desenvolvimento do centro urbano, fazendo-o emergir de um longo marasmo que vinha da Idade Média.
Mas quem são afinal os “brasileiros” de Fafe e que tão assinaláveis e duradouras marcas deixaram na então Vila e pelo concelho?
Basicamente, aqueles que, na segunda metade do século XIX e primeiros decénios do actual, conseguindo fortuna no Brasil, construíram residências, compraram quintas, criaram as primeiras indústrias, contribuíram para a construção de obras filantrópicas e participaram na vida pública e municipal, dinamizando a vida económica, social e cultural local.
Porém, mais que tudo, são as casas dos brasileiros que marcam decisivamente a paisagem urbana. Ainda hoje são admiradas, elogiadas, como obras de arquitectura sui generis, que importa preservar e divulgar.
Os primeiros emigrantes fafenses a demandar o Brasil tê-lo-ão feito em pleno século XVIII, por conseguinte, muito antes da “explosão” emigratória verificada no século seguinte.
No entanto, o grosso da emigração de fafenses para o Brasil dá-se em Novecentos e sobretudo na segunda metade do século e primeiras décadas do seguinte.
Nessa altura, abalam para lá do Atlântico alguns milhares de fafenses, de praticamente todas as freguesias do concelho.
De referir ainda que o grande local de destino dos emigrantes de Fafe foi, naquele período, de longe, o Rio de Janeiro. Seguiu-se, a grande distância, o destino Belém do Pará.
É curioso notar que as marcas arquitectónicas, sociais e filantrópicas dos brasileiros, no seu regresso definitivo, se fazem sentir esmagadoramente no centro urbano. Raros são os palacetes que os emigrantes construíram no espaço rural. Contam-se pelos dedos...

Os empreendimentos que devemos aos brasileiros

Os brasileiros de Fafe estão indissoluvelmente ligados a diversos empreendimentos registados no concelho na segunda metade do século XIX. São eles que, de alguma forma, tecem as grandes linhas da arquitectura e do urbanismo daquele período, organizando o espaço urbano, segundo contornos que ainda hoje marcam a cidade.
Desde logo, estão intimamente associados ao lançamento do Hospital da Misericórdia de Fafe. José Florêncio Soares, um abastado e influente brasileiro de Fafe, promoveu junto de outros emigrantes fafenses no Rio de Janeiro - onde trabalhava - uma campanha de angariação de fundos para a construção de um hospital na sua terra natal, ainda inexistente à altura. O Hospital, expoente da filantropia dos torna-viagem, será cópia fiel do Hospital da Beneficência do Rio de Janeiro.
A primeira enfermaria foi aberta parcialmente à comunidade, e sobretudo aos pobres, em 19 de Março de 1863, ano que figura ainda no frontispício da centenária casa.
Dois brasileiros estão ligados, através de testamento, a instituições que diríamos hoje de apoio social: Joaquim Vieira Montenegro fundou uma instituição de apoio a crianças excluídas, concretamente, o Asilo da Infância Desvalida, em 1877. Igualmente brasileiro é o fundador do Asilo de Inválidos de Santo António, Manuel Baptista Maia, que instituiu aquela casa em 1906.
Os brasileiros estão igualmente ligados às primeiras indústrias em Fafe, que são simultaneamente das mais antigas do norte do país. José Florêncio Soares funda a Fábrica do Bugio em 1873, enquanto José Ribeiro Vieira de Castro está na base da fundação da empresa têxtil conhecida por Fábrica de Fiação e Tecidos de Fafe, em 1886.
O Jardim Público, chamado do Calvário, também se deve a um outro brasileiro fafense, o Comendador Albino de Oliveira Guimarães, figura igualmente ligada à construção do Hospital.
A presença dos brasileiros está igualmente patente na construção da Igreja Nova de S. José. Outra vez José Florêncio Soares, Albino de Oliveira Guimarães e José Ribeiro Vieira de Castro.
Este templo, começou a ser construído em 1895, tendo depois paralisado durante alguns anos, por falta de verbas. Recomeçou com um projecto do arquitecto Ernesto Korrodi e foi concluído e sagrado em 1961. Exactamente há 50 anos.
A arquitectura ecléctica dos brasileiros representa, no fundo, a afirmação pessoal do proprietário e a sua nova condição social.

As características da arquitectura brasileira

Ela é caracterizada, como afirmava o saudoso Miguel Monteiro, “por uma decoração de gosto brasileiro e Arte Nova, onde sobressaem as águas furtadas e os andares assotados. As frontarias são lisas e rebocadas a branco ou com graciosos azulejos onde predominam as cores amarelo e verde. As varandas reduzem-se a uma pedra linear com guardas  de ferro forjado ou fundido e as fachadas, com guias de pedra verticais, a toda a altura do edifício, complementam com clarabóias a decoração destas construções, símbolo do Brasil que acolheu os emigrantes de Fafe no século XIX”

Estas construções são, regra geral, palacetes de grandes dimensões, muitos dos quais com jardins tropicais, fechados com portões de ferro.
Esta arquitectura, os materiais, as cores, os adornos, tudo isto constitui a fachada que regista uma memória, mostra um gosto e define um estilo.
Os materiais utilizados nestas obras são os mais diversos, desde a pedra, passando pela madeira, azulejos, rebocos, etc.
Os principais traços arquitectónicos desta arte que poderíamos definir como brasileira são os seguintes: fachadas amplas, rebocadas e caiadas ou revestidas e belíssimos azulejos multicolores; normalmente casas de rés-do-chão e andar nobre, de linhas horizontais; em muitos casos um “mezanino” ou andar suplementar; numerosas portas e janelas de pé direito considerável; portas ricamente almofadadas, entalhadas e pintadas a branco e ouro; portões com interessantes monogramas desenhados; paredes grossas de pedra; esquinas, soleiras e ombreiras de cantaria; varandas estreitas, quase sempre a toda a largura do prédio, com guardas de ferro forjado ou fundido, ricamente ornamentadas; diversos exemplos de beirais de faiança pintados na sua parte inferior, normalmente de cor azul; casos de estatuária, formas humanas ou vasos, a rematar a habitação; a indispensável clarabóia, símbolo maior da arquitectura brasileira, a encimar o telhado e a iluminar as escadas interiores; exemplos de átrios de azulejos. Interiormente, vastas salas e aposentos, com luxuosas ornamentações; tectos em estuque, de fino recorte, com desenhos relativos às funções dos aposentos; lustres de cristal e delicados móveis e belíssimas porcelanas.








É este património arquitectónico e urbano ligado aos brasileiros que, no fundo, diferencia e singulariza a cidade de Fafe. Os brasileiros são, afinal, a sua identidade e, como tal, devem ser defendidos e preservados.
Fafe deve lutar por obter a sua própria marca, neste caso, a dos brasileiros de torna viagem.
Fafe deverá vir a instituir-se como a “capital da arquitectura dos brasileiros”! Vamos fazer força para que tal aconteça!

Fotos: Manuel Meira Correia e postais antigos

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