sábado, 19 de novembro de 2011

Vivemos um neofascismo capitalista

1. Deixem-se os leitores começar esta escrita com uma frase lapidar, do mais consagrado escritor português da actualidade, António Lobo Antunes, que transforma a pobreza do quotidiano em pérolas do mais fino quilate literário.
Há dias, aquando da apresentação da sua mais recente obra, Comissão das Lágrimas, em Faro, declarou: «Numa altura tão difícil e injusta, que os portugueses têm aguentado com uma paciência que eu considero inexcedível, em que vivemos num neofascismo capitalista, que afasta ainda mais as pessoas da cultura e dos livros, estar aqui hoje é, também, um acto de protesto».
O laureado autor criticou, justamente, o estado da cultura em Portugal, alertando para o excesso de lixo televisivo, a falta de programas culturais e a inexistência de bons livros. Já sabíamos a importância que este governo de direita confere à cultura, quando a desqualificou de ministério a mera secretaria de estado, na dependência directa do primeiro-ministro, denunciando, assim, o controleirismo da política cultural, se é que existe, do que muitos legitimamente duvidam. Mas também quando o governo aumenta o IVA sobre os espectáculos de todo o género, tornando cada vez mais inatingível o acesso do público às artes performativas.
Voltamos a Lobo Antunes: «Tudo isto é altamente conveniente para o poder político, que, na realidade, é o poder económico, porque um povo culto não consente este tipo de existência que vivemos agora, e começa a exigir. Por isso, a cultura é perigosa e assusta o poder».
2. É isso mesmo: nos dias de hoje, a cultura é lançada para o patamar das coisas supérfluas, porque não interessa a este poder. Também no tempo da negregada “Outra Senhora” não importava, havendo mesmo quem repetisse a blague hitleriana segundo a qual puxava da pistola quando alguém falava de cultura. E a verdade é que a cultura, tal como a educação, se assume como a base da democracia e da liberdade, como está histórica e filosoficamente comprovado.
Já se sabe há muito que, para a direita, a cultura é um zero à esquerda. O que importa é a ditadura da economia, do valor económico, o que dá ou não dá dinheiro. E a verdade é que, como bem retrata o célebre autor de Os Cus de Judas, O Esplendor de Portugal, ou Hei-de Amar uma Pedra, que ficará na história nacional, ao contrário dos episódicos governantes que nos couberam em desdita, o poder político é o rosto que mais facilmente nos causa vómitos, mas o certo é que, por detrás dele, há um poder superior, que manda, determina e condiciona: o poder económico e financeiro, caracteristicamente especulativo e que não tem o mínimo pudor na sua proverbial ganância. A nível europeu, tem a macabra designação de “mercados”, aquela coisa de que todos os dias a comunicação social fala e que desgraça as economias, as empresas e as famílias dos países mais frágeis do ponto de vista económico, como é o caso presente de Portugal.
Lobo Antunes apelida o actual regime político de “neofascismo capitalista”. E não podia ser mais apropriado na sua visão. Basta pensar um pouco, reflectir sobre o que se está a passar à nossa volta, e que transcenda os limites inóspitos de S. Bento ou da “Casa dos Segredos”.
Há mais país, mais democracia, mais futuro do que nos querem fazer crer!...
3. Estes rapazes devem mesmo andar loucos, afirmei nesta página há semanas e redigo. Com novos episódios.
Desde logo, a palermice do secretário de estado da juventude e desporto que proclamou, há tempos, urbi e orbi, que a política da juventude deste governo é incentivar os jovens a sair da sua “zona de conforto” e a deitarem pés ao caminho, rumando à emigração. Um indivíduo que diz uma alarvidade destas deveria pura e simplesmente ser demitido do governo. Se houvesse o mínimo de vergonha, que é coisa que parece não se gastar por cá.
Porque se houvesse vergonha e tento na língua, um ministro da economia, que entusiasma tanto o tecido económico português como uma viola num enterro, não promulgaria um mero estado de espírito, muito pessoal e utópico, qual seja o de que a crise vai acabar em 2012. Uma criatura que declara uma tal idiotice, ou é louco ou irresponsável. Ou as duas coisas. Porque está a aldrabar descaradamente os portugueses, para mais no local mais sagrado da democracia, o Parlamento. Alguém acredita sequer que o próximo ano seja o princípio do fim da crise?!... Um ministro que se tem revelado uma nulidade absoluta só por uma imbecilidade deste jaez se pode fazer notar, o que é sempre lamentável!...
4. Para as próximas núpcias ficam as patéticas conclusões do grupo de trabalho para a definição do serviço público de comunicação social, que semeia ideias «perigosas para a democracia», como bem sintetiza o Sindicato dos Jornalistas.
Estamos num regime em que o que é público é para abater. Seja funcionário, seja serviço, seja empresa ou órgão de comunicação social. Estou preocupadíssimo com o rumo deste país, cada vez mais pobre, mais ignorante, mais estúpido.
5. Como alegria: Portugal está no Europeu de 2012. Custou mas foi! Valha-nos essa felicidade. O resto, é desoladora noite escura!...

("Escrita Em Dia", Povo de Fafe, 18/11/11)

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