terça-feira, 24 de janeiro de 2012

30º dia!...

Mãe: faz hoje um mês, tanto tempo, tantos dias, que adormeceste para a eternidade.
Não imaginas o quanto tenho sofrido, como se a minha identidade tivesse deflagrado sem remédio. Não há uma única hora, um único dia sem que a tua imagem (dentro de mim, que vim de ti) se me imponha, maternal, amiga, plena da bonomia e do afecto que te eram característicos. Como é possível que não consiga fazer o luto, mãe, continuando incrédulo e a não conseguir aceitar que a gadanha da morte te tenha retirado ao nosso convívio, quando tanta ternura tinhas ainda para nos dar?
A tua partida, minha heroína, a quem me penaliza não ter dado toda a atenção que merecias, porque o tempo alegadamente nunca é demais, brutalmente extemporânea, selvaticamente prematura, deixou-me cicatrizes profundas no coração, como jamais supus fosse possível. Certamente estou a ficar velho, mais que tu, sem conseguir admitir o que muitos chamam “a lei natural da vida”… Não, tudo isto não passa de um absurdo, de algo sem sentido! Embora mascare uma postura “normal”, para o quotidiano, podes crer que, por dentro, choro como um menino, sem conseguir superar a tua perda.
Nunca pensei que uma mãe doesse tanto a morrer dentro de nós!
Depois da abalada do pai, há pouco mais de dois anos, a mãe era o último arrimo da minha identidade. Sem que a culpa fosse tua, arrasaste o que restava da felicidade do passado, dos momentos felizes que constroem, ano após ano, o melhor de nós.
Muitas vezes, nem o reconhecemos; outras, nem tempo temos, porque sabemos que as mães estão lá, quando necessitamos de uma palavra, um conselho, um carinho, um afago.
No meu telemóvel ainda tenho o teu número gravado. Ligo, na esperança frustrada de que ainda estejas do outro lado, mas já ninguém atende, mãe. Para que serve um número assim? Para que serve o número do telefone fixo, que ainda está registado no meu aparelho, se sei que já não estás lá para me chamar “filho”, “meu amor, está tudo bem contigo”?
Mãe, não consigo admitir que já não estás aqui. Sou sincero, como um Deus: a morte é estúpida, sei que inevitável, mas sem qualquer sentido, sem justificação. Porquê todo este sofrimento, quando a vida é bela, o sol clareia a penumbra, as sementes aguardam o momento de ir para a terra e os rios correm, alegres, em direcção ao mar?!...
É claro que temos a família unida a amparar-nos: a esposa querida, os filhos amados, as irmãs estremecidas. Temos os amigos a ceder-nos a solidariedade amiga. Tantos e bons amigos, que seria injusto escolher algum em particular. Mas não poderia deixar de evocar as palavras amigas do Padre Valdemar Gonçalves, por exemplo, a enviar-me um belíssimo poema seu, dedicado à mãe e a citar um extraordinário verso de Miguel Torga:

Que estranha coisa na vida aconteceu
Que ficaste insensível e gelada…

Mas também as dos amicíssimos Dr. Ribeiro Cardoso, no Povo de Fafe, Dr. Barroso da Fonte, por correio electrónico, António de Almeida Mattos, por carta e Maria de Lourdes Magalhães (Dutinha), a lembrar-me, sensibilizadamente, as palavras que lhe enderecei, há três anos e meio, por altura da partida para as estrelas da sua irmã e que me devolve, para conseguir superar este momento intransponível:

Há a dor, a dor imensa da perda, o vazio a crescer dentro de nós, uma angústia infinda a avassalar o coração, como se nada fizesse sentido.
Depois, obviamente, há o olhar em frente, o futuro a chamar-nos à realidade, sem nunca perdermos por um momento que seja os que amamos no infinito da memória e da alma mais querida!

Já não me lembrava de ter escrito estas palavras de cristal. Premonitórias, dolorosas, agora para mim próprio. Também esperançosas, quando as lágrimas, nem que secas, deixarem de regar os meus olhos, não sei quando.
Mãe, amar-te-ei até ao infinito da eternidade, podes crer!
Tal como ao pai, com quem te (re)encontraste há um mês, depois de mais de meio século de vida em comum e de dois anos de separação (2009-2011), que nunca conseguiste superar.
E quão custoso é ultrapassar a dor da ausência, meu Deus, em que gostaria de acreditar!...
E ainda só passaram 30 dias!...

3 comentários:

Unknown disse...

Dr. Artur Coimbra!
Desconhecia a partida da sua mãe, sei do que fala, sei dessa dor imensa, atroz, que dilacera o coração e nos deixa perdidos num mar de lembranças.

Sentidos pêsames!

Beijinho,
Ana Martins

Anónimo disse...

Boa noite, Dr. Coimbra,

Sensibilizada pelo texto que acabei de ler, quero demonstrar a minha solidariedade pelos sentimentos expressos.

bjs

Maria José Cerdeira

ARTUR COIMBRA disse...

Muito obrigado pelas mensagens das amigas Ana Martins e Maria José Cerdeira.
Este é um momento de viragem na minha vida: a minha identidade foi dramaticamente fracturada, a memória dolorosa substitui o contacto com aquela que muito amava. Só agora percebo o quanto a minha mãe me era (e é) necessária!
É uma dor e uma saudade que não têm limite!
Beijinhos para vocês!