terça-feira, 10 de julho de 2012

Canto Imperecível das Aves: magistral obra poética apresentada no Club Fafense

Canto Imperecível das Aves é uma magistral obra poética de António Vilhena, natural de Beja, mas a residir há anos em Coimbra, onde é vereador da Câmara Municipal e onde tem exercido cargos académicos ligados à sua área de formação, a Psicologia.
A obra foi apresentada na sexta-feira à noite no Club Fafense, perante algumas dezenas de pessoas, por iniciativa do Club Alfa e com o apoio da autarquia fafense.
A começar, interveio um quarteto de jovens clarinetistas da Banda de Golães, que tão bem se houve na nobre arte musical.
A seguir, o presidente do Club Alfa, Edgar Alves, deu algumas notas sobre as actividades daquela associação sedeada em Regadas, que estaria presente no sábado na Arcada, no âmbito da Feira das Coisas.
Pedro Sousa passou, de seguida, à apresentação do autor da obra, António Vilhena, resumindo o seu vasto e multímodo currículo académico, profissional e literário e realçando a amizade que os une há muitos anos e que acabou por justificar o convite para a apresentação da obra em Fafe.
Seguiu-se Artur Coimbra no uso da palavra, começando por ler um texto de Manuel Alegre intitulado “cada poema que se escreve é uma derrota da indigência”.
O autor deste blogue considerou que a poesia de António Vilhena vem exactamente na linha enunciada pelo poeta de “Nada está escrito”: a da resistência contra o imediato, o efémero, o quotidiano mais absurdo e vazio, a procura de “um ouço mais de azul, um pouco mais de poesia”, recuperando a “força mágica da palavra”, de que falava Alegre.
A poesia de António Vilhena comunga a concepção de David Mourão Ferreira, para quem a poesia “é antes de mais linguagem: mas linguagem animada pela emoção, intensificada pelo ritmo, transfigurada pela metáfora”.
Os temas deste seu Canto Imperecível das Aves, que apontam no sentido da eternidade da voz poética, oposta à volatilidade do dia a dia, são os da grande poesia universal.: o amor, a amizade, o afecto, a paixão, o nascimento, a natureza, o sentimento do Belo e do Artístico.
Todos nós temos os nossos vazios que vamos preenchendo a nosso modo – neste caso, com a força sedutora e orgástica das palavras, o voo sem limite do sonho.
A poesia de António Vilhena inscreve-se, assim, pela temática, na melhor literatura, mas também pelo uso constante de recursos estilísticos que enriquecem as páginas.
A linguagem dos poemas é matizada por grande quantidade de recursos literários e figuras de estilo, de que deixo alguns exemplos:
- …as galáxias/ se derramam nos meus olhos. (p. 17);
- … impaciência de medos esculpida na inquietação dos sentidos (p. 18);
- filigrana do Sol (p. 19);
- biblioteca de afectos (p. 21);
- mãos de linho branco (p. 23);
- oiço o mar nos teus olhos (p. 32);
- Em cada silêncio há uma catedral, um olhar/ gótico debruçado no teu rosto, um varandim/ com asas... (p. 38);
- …perpetuei a caligrafia da paixão (p. 45);
- …as noites assemelharam-se a pálpebras fechadas (p. 55);
Ou um papiro de silêncios (p. 61), como o poeta qualifica o Alentejo (a sua terra). Uma delícia.
Como deliciosos são os seus brevíssimos, mas intensos e profundos poemas, à maneira dos haikus japoneses, como este exemplo,

Rosas (p. 39)

No meu caminho estão as rosas
que encontrei quando te perdi.

António Vilhena encerrou a sessão, agradecendo aos diversos intervenientes e aos promotores da sessão, dizendo da sua alegria por ter vindo a Fafe e encantando a plateia com as suas palavras sedutoras, envoltas em poesia, em experiência e em conhecimento.
O poeta lembrou que este é um “livro de afectos”, publicado quinze anos depois da anterior obra poética, dedicado às avós Bárbara e Luísa e também à mãe.
O livro é também um olhar sobre si próprio e a sua intimidade, mas também sobre o seu Alentejo, “eterno lugar de espanto e novidade”, como refere no prefácio Maria Vieira de Almeida, que destaca o fascínio da escrita encantatória do autor (que partilhamos).
Fafe assistiu a um inolvidável momento literário e cultural, que poderia ser mais participado, não fora ter coincidido com as festas do concelho e com a dispersão do público cultural por diversas solicitações.
Um livro de poesia, como qualquer outra obra literária, mais do que falar sobre ela ou até do seu autor, existe para ser lida.
É na leitura que a obra se concretiza, se conclui, se potencia, ganha todo o seu sentido último.
É para ser lido, calmamente, meditado, fruído, que faz sentido ter sido escrito, com todo o afecto, este Canto Imperecível das Aves!
Como referi no Club Fafense e aqui repito, felicitando vivamente o poeta por este seu brilhante livro, é uma das mais marcantes obras poéticas que li nos últimos anos, sem qualquer dúvida!

Deixamos os leitores com dois poemas da obra (Caracol Edições), para aguçar o apetite.

SAUDADE

Olho-te na fotografia. Está lá um horizonte,
uma página à tua espera para escreveres, depois
de tanta ausência. Estão lá as linhas convergentes
como uma nódoa de esperança na pele branca
do poema. Não sou capaz de dizer os instantes à
beira do cais, onde aceno aos navios que outrora
visitaram os meus sonhos, como se estivesses nas
rotas de todos os encontros e as tuas mãos fossem
velas puídas pelo tempo. Olho-me na fotografia.
Acrescento-lhe os anos, mas não posso inventar
o que não vivemos.


PLANÍCIE

Nos seus rostos não há lugar para ironias
a planície inteira está na pele
queimada como tatuagem da terra.
Quando a noite chega
os círios sinalizam
os percursos da intimidade
e a solidão ganha vida nas trevas
dos que ficam sem companhia.
Nunca um alentejano cantou sozinho,
a sua voz ecoa solidária, o silêncio atravessa
um tambor de paixões
orquestrando o amor de Orpheu e Eurídice.




Fotos: Pedro Sousa
         Patrícia Sousa (Povo de Fafe)

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