terça-feira, 17 de julho de 2012

Escrever!

Num tempo de escuridão, o poema – o que quer que isso seja, nem que a pura escrita das manhãs que acordam numa aldeia minhota – é um lugar de luz. Como escrevia Sophia, é no poema que está e nasce a liberdade.
É o exercício dessa liberdade livre que funda e permanece no acto de quem escreve, não para mudar o mundo (que a palavra não tem dotes taumatúrgicos…) mas para se tornar mais humano, quer dizer, mais divino, mais puro e solidário.
Contra as sombras, as mediocridades, as ervas daninhas do quotidiano, a poesia – e em geral, a escrita – instaura-se como chama, incêndio, fulgor. O fogo da diferença, essa missão indeclinável e apetecível de ser aurora da criação, catedral de sentimentos, discurso directo do coração.
O dia a dia é a consagração da vulgaridade, da abrupta e aborrecida normalidade, da mais insidiosa e estúpida telenovela da vida: dos que se esquecem de viver, dos que transferem a sua vida para os ecrãs da fantasia, dos que recusam a utopia em nome de rasteiros interesses.
A escrita nasce da opção por um estado outro de ser, de estar e de querer. A denegação dos bichos da terra vis e tão pequenos de que se lamentava Camões, nos Lusíadas, essa epopeia patriótica que a Escola hoje desvaloriza, ou menospreza, num crime de lesa-cultura, não por culpa própria, naturalmente, mas por decisões vindas dos estúpidos poderes que vamos suportando. É a libertação de asas e grilhetas que agarram os humanos à terra; é o voo fantástico em busca da eternidade. Quer dizer, da luz.
Escrevo, não como quem respira, óbvio, nem como obrigação de me sacrificar em cinco milhares de caracteres diários, longe disso, mas quando me dá na real gana e com o esforço próprio de quem poda os galhos de uma estátua que vai esculpindo, ao sabor do momento e da emoção que transporta.
Pensar incomoda como andar à chuva, parafraseando Pessoa. Mas não me importo de uma boa molha, para expressar as minhas inquietações, os meus anseios, as minhas alegrias, partilhando-os com os leitores, como sempre tenho feito, com  toda a frontalidade, toda o arrojo, sem me esconder em pseudónimos ou em cobardias anónimas. Aqui, nos jornais, ou nos livros.
Um homem só pode ter uma cara. Uma verticalidade, um nome, um rosto.
Não pode lançar a pedra e esconder a mão. Assume, subscreve, não foge, se é homem de corpo inteiro.
Tenho procurado sê-lo, para o bem e para o mal, arrostando com as consequências, algumas incompreensões, mas também aplausos. Sobretudo, não enganando ninguém, não me enganando a mim próprio, que é o mais importante!

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