sábado, 7 de julho de 2012

Palavras da Memória: livro de Alberto Alves apresentado na Biblioteca de Fafe

A Biblioteca Municipal de Fafe encheu de amigos e familiares (mais de uma centena de pessoas), na noite de quinta-feira, para assistir ao lançamento da excelente obra Palavras da Memória, a mais recente incursão literária do professor Alberto Alves, depois de em 2010 nos ter brindado com uma monografia sobre o Grupo Cultural e Recreativo Nun’Álvares com o título Retratos do Tempo e da Memória.
A sessão começou com um momento musical proporcionado por jovens alunos da Academia de Música José Atalaya.
Tive o privilégio de escrever o prefácio e apresentar a obra, que considero uma agradável surpresa no panorama das letras fafenses. Estamos em presença de uma obra que se impõe desde logo pela sua linguagem formal: está extraordinariamente bem escrita, ou não tivesse o autor rotinado o seu modo de escrever na oficina jornalística e, antes, no exercício da actividade docente durante algumas décadas. Um livro redigido segundo as mais lídimas regras gramaticais e a mais correcta ortografia (anterior ao novo e polémico Acordo Ortográfico, aqui voluntariamente não observado) e ainda por cima suscitando interesse para o leitor, pelos temas e pela frescura de forma como são descritos, eis um aspecto que não é despiciendo assinalar nesta altura em que se pontapeia, a cada momento, oralmente e por escrito, a sagrada língua portuguesa!...
Palavras da Memória integra duas dezenas e meia de textos ficcionais, ou memorialísticos, de temáticas diversas.
Direi que não é tarefa fácil catalogar esta obra, dada a multiplicidade de géneros literários que a preenchem e lhe dão sentido.
Na área do conto, há muitos e bons exemplos. Por exemplo, o “Dia dos Pobres”; “A malta da rua”; “Cafés da Vila”, onde se revivem momentos e histórias do “Cafelândia”, do “Avenida”, do “Império” ou do “Peludo” ou “A Tasca da Esquiça”, cuja descrição começa, com insofismável arte literária:

Quando se transpunham aquelas portas de vaivém parece que se caía numa mina, tal era a escuridão e o negrume das paredes, bem condizentes com o chão, térreo e luzidio de tanto ser calcado e varrido e de tanta gordura ter acumulado.

O conto mais longo (mais de três dezenas de páginas), quase uma novela, tem o nome “A Casa do Pecado” e nele se condensa o que de melhor demonstram os restantes textos ficcionais do autor: a capacidade de efabulação e de criação de situações, de desenho de cenários plausíveis para o desenrolar das histórias; a invenção de diálogos naturais ou minimamente verosímeis para dar credibilidade às ficções. É também de relevar uma constante atenção aos pormenores, em cada descrição e situação, como é da boa literatura.
Na área da crónica, podemos integrar textos como “A minha rua”, “Dia de chuva”, “Os Putos”, “Dia de Procissão”, “Repartição Pública”, entre outros, onde se descrevem situações, se desfiam memórias, se reinventam mitologias.
No domínio do que chamarei “apontamento biográfico”, incluo dois textos pitorescos: “O Armindo Tanico” e “Mestre Abreu”.
Entre outros textos, notoriamente de diferentes épocas, avultam quatro textos datadas de um arco temporal situado entre os anos de 1967 e 1969, quando o autor se encontrava em serviço militar na Guiné-Bissau: “Amizade””, “Noite Africana”, “Meditação” e “Momento de Guerra”. São nacos de prosa muito marcada pelo ferrete de uma “guerra indesejada, mas intensamente vivida”.
Esta obra é igualmente uma cartografia de saberes e de vivências de outros tempos, centrados sobretudo numa vila de interior, como Fafe e num tempo em que o sol, o adro da igreja, o tasco, o tanque público ou o rio, eram os locais de encontro dos homens e das mulheres, para dois dedos de conversa.
É um livro que tem Fafe no coração da maioria das suas páginas. Uma obra onde se impõe a qualidade da escrita do professor Alberto Alves, cuja linguagem é matizada de enormes recursos linguísticos, disseminados pelo texto.
Estamos em presença de um livro que se lê com imenso prazer e com inegável proveito. Que cruza a literatura e a vida. Que tem histórias, tem relatos, tem moral e ensinamentos. Tece elogios e fia crítica social.
Na sessão de apresentação, usou ainda da palavra o editor João Artur Pinto, da Labirinto, que recordou a relação que teve com o professor Alberto Alves, enquanto responsável da biblioteca fixa nº 34 da Fundação Calouste Gulbenkian.
De seguida, foi o próprio autor, Alberto Alves, que fez alguns agradecimentos, entre os quais à família e disse das razões do surgimento desta obra, que já vem com algum atraso, e que tem a insistência de amigos nun’alvaristas como Valentim Carvalho e Manuel Mendes. Alberto Alves anunciou, entretanto, que tem já na calha outros projectos literários na mesma linha, o que deixou grande curiosidade e satisfação na sala, dado o interesse e valia deste tipo de testemunhos.




Finalmente, usou da palavra o presidente da Câmara, José Ribeiro, que revelou ter sido aluno na antiga escola primária de Alberto Alves. Depois, foi leitor compulsivo de obras da Gulbenkian e debateu acesamente ideias com Alberto Alves, quando frequentava direito em Coimbra. Mais tarde, teriam alguns desencontros políticos, mas voltar-se-iam a “encontrar”, quer na fusão das bibliotecas Municipal e Gulbenkian, em 1992, quer na atribuição da medalha de prata de mérito concelhio, em 1999, quando Alberto Alves se aposentou do cargo de professor e delegado escolar. José Ribeiro congratulou-se com a obra e manifestou a expectativa de ver novos livros do autor.
Antes da longa sessão de autógrafos, o Teatro Vitrine surpreendeu o autor e os presentes com a leitura encenada do conto “Os Putos”.

Fotos: Manuel Meira Correia

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