sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Parabéns, mãe!


Hoje foi o dia de te dar um beijo de aniversário, mãe.
Há décadas que o venho fazendo, com o incomensurável gosto de filho. Como as aves partem, irreprimíveis, para sul, e regressam para nidificar em cada primavera.
Pela primeira vez, todavia, não estás ao alcance dos meus lábios, mãe, nem dos meus olhos, nem da capacidade de te ter a meu lado.
Não te perdoo teres-me abandonado.
Incrível: até parece que a chuva deste primeiro dia de Agosto acompanha as lágrimas que escorrem pelos olhos e inunda a coração que nunca mais foi o mesmo, podes acreditar.
A nossa casa, mãe, está vazia, penosamente deserta, infeliz, inútil.
O silêncio ensurdece a alma de memórias. Está aqui a minha infância, a minha juventude. Estás aqui, mãe, a rezingar (mais que o que devias, tantas vezes) com a pobre da tia Maria e a pedir à avó para se não meter nas vossas conversas. Às vezes, era uma comédia; outras, um riso pegado. O pai continua a trabalhar em França, pois as coisas aqui estão complicadas. Regressará apenas nos anos 80... Historicamente, as coisas sempre estiveram complicadas neste país. Como se não houvera outro destino. Outro fado. Parece que é eterna sina neste rectângulo cada vez mais descolorido, desvalorizado, desmotivado, desesperançado.
Estão também as irmãs da minha meninice, obviamente. E todas as nossas brincadeiras. E os trabalhos agrícolas em que eu participava contigo, mãe. As molhadelas do orvalho das madrugadas de Junho. As colheitas. E os primeiros namoricos. E as muitas asneiras que os mais novos faziam. E os primeiros versos e os primeiros escritos que tiveram por palco aquela casa, hoje angustiosamente povoada dos fantasmas do passado, essa recordação do que fomos e do que vivemos, e com quem vivemos, que nos dói nas veias como um veneno de serpente.
Mãe: hoje, dei-te um beijo. Quente. Mas não reagiste, nem por um momento. Foi assim um beijo surpreendentemente frio, glacial. Molhado. Branco, como o mármore. À tua volta, tudo estava parado, quieto, resolvido, final, com algumas flores, algumas velas. A fotografia do pai olhava. A lápide da tia e da avó, estava ao lado, como há tantos anos.
Mãe, pela primeira vez, festejamos o teu aniversário de uma forma diferente. Mas o meu beijo foi o mesmo. Parabéns!
À tua volta mora a eternidade!

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