segunda-feira, 12 de novembro de 2012

“Refundação” ou desmantelamento do Estado Social?


1. O governo está empenhado em intoxicar a opinião pública com a famigerada “refundação”, que ninguém sabe definir ao certo o que seja, tão infeliz e despropositadamente foi lançada a “boca” pelo primeiro-ministro. Ainda neste sábado, um dos mais lúcidos pensadores portugueses, Adriano Moreira, dizia desconhecer os contornos do conceito, após consultar os manuais de ciência política.
A única evidência é que se torna necessário cortar a enormidade de 4 mil milhões de euros até 2014, porque as contas de Vitor Gaspar mais uma vez saíram furadas. Na verdade, nunca se viu um ministro das finanças tão arrastada e continuamente incompetente. Não acerta uma!... Aliás, não se percebe porque é que ainda não foi demitido. Ou melhor, entende-se apenas na perspectiva de ser um agente da troika para ajudar a destruir o país, como é claramente a agenda desses usurários e de quem os representa cá dentro.
Num país onde a humildade e a transparência políticas fossem uma norma, a primeira coisa que o governo faria era comunicar aos cidadãos as razões do falhanço sucessivo das previsões e que obrigam a cortes suplementares. O governo deve uma explicação aos portugueses e um pedido de desculpas.
Porque se chegámos onde chegámos, apesar dos cortes até agora efectuados em tudo o que mexe, da destruição da economia, do bárbaro acréscimo do desemprego e dos aumentos brutais de impostos que estão previstos para 2013, que não chegam a nada, ao que se diz, é porque o governo tem falhado rotundamente a sua política de overdose de austeridade e em todas as metas que se propôs (défice, desemprego, crescimento).
E, por isso, o que seria expectável era que Passos Coelho e Vitor Gaspar viessem a público, primeiro assumir erros e depois pedir sacrifícios. Não o fazendo, estão a fornecer argumentos aos portugueses para não aceitarem o genocídio fiscal que aí vem e a bestialidade prevista para 2014. Porque ninguém entende o que se está a passar, para que é o balúrdio de milhões que se anuncia, sendo que, tragicamente, não consegue vislumbrar-se uma “luz” ao fundo do túnel, após anos de sacrifícios impostos aos portugueses. A treta da “recuperação” económica e financeira no próximo ano, garantida pelo líder do PSD, em Agosto, veio esbarrar com a realidade apontada pelo primeiro-ministro, que, por acaso, e só por mero acaso, é a mesmíssima pessoa, subserviente à senhora Merkel, que hoje visita, descaradamente, o centro da submissão lusitana (o governo e a presidência). Espera-se que seja recebida com a “cordialidade” e o “respeito” com que está a tratar os portugueses e os povos europeus do sul, e que Passos Coelho se esforça por transformar no palco da provinciana adulação!...
O governo não pode estar permanentemente a escudar-se nos “buracos” passados, até porque estes têm muito o “dedo” dos seus correligionários da Madeira e do BPN, pelo menos, que são muita da nossa actual perdição.
E Passos Coelho não foi eleito para se estar continuamente a jeremiar e a camuflar a sua patente incapacidade com os erros alheios. Ou tem vontade de resolver os problemas do país, seriamente, ou dê de frosques, porque dele começamos a ficar fartos!...
Um primeiro-ministro que se submete passiva e servilmente a tudo o que vem de fora, como se vivêssemos no feudalismo, não interessa. Um primeiro-ministro que se recusa a renegociar um empréstimo, na tentativa de melhorar as condições, os prazos e os juros, como têm feito governantes estrangeiros, em situação similar, melhor fora capitular.
Um primeiro-ministro que se conforma com a situação de protectorado em que está transformado este país de oito séculos de existência, deveria sentir-se obrigado a resignar.
Um primeiro-ministro assim, fortíssimo com os fracos e dependentes, internamente, mete o dócil rabo entre as pernas perante troikas e Merkels, para nossa colectiva vergonha. Como aconteceu com o antecessor José Sócrates, de resto.
 
2. O que geralmente se associa à “refundação” é, no fim de contas, a urgência de cortar 4 mil milhões de euros, em áreas fulcrais como a educação, a saúde, a segurança e as prestações sociais. Para que tal venha a ocorrer, foi necessário mandar vir técnicos do FMI e do Banco Mundial, para indicar ao governo a sua incompetência em saber onde cortar e o que retalhar.
E quando os presumíveis “especialistas” já cá estavam a trabalhar na melhor maneira de satisfazer os agiotas, também apelidados de “mercados”, ainda Passos Coelho e Paulo Portas acenavam com a venenosa cenoura da “união nacional” ao Partido Socialista que, muito bem, denunciou a encenação e a “armadilha”, mostrando-se indisponível para legitimar o ilegitimável.
Porque o que está em causa, claramente, nesta altura, é cortar cegamente, a pretexto de redefinir as funções do Estado. Tanto assim é que o próprio Vitor Gaspar já veio referir que os “cortes estruturais na despesa na ordem de 4.000 milhões de euros» são para levar a cabo «sem alterar a Constituição».
Ora, a redefinição das funções sociais do Estado exige uma revisão constitucional. Porque essa é uma matéria sensível, que demanda ponderação temporal adequada e que deve fundar-se num amplo consenso político e partidário. Não pode ser feita sob a pressão da necessidade do ajustamento orçamental e apenas pela direita do espectro partidário, ao sabor de interesses conjunturais.
E já agora, são de rejeitar os propósitos de desmantelar o Estado Social, em especial se tal resultar na demolição da escola pública, do direito universal à saúde e à protecção social.
Esperamos, sinceramente, que não seja isso que está em causa, porque será demais para ser verdade. O Estado não pode demitir-se da sua missão social!
E o governo não foi eleito para “refundar”, ou seja, desmantelar por completo, o sistema económico e social. Não está legitimado eleitoralmente para tão profundas alterações. Foi eleito para defender os portugueses e os seus direitos fundamentais, o que não fez deliberadamente em ano e meio de exercício.
 
(Correio do Minho, 12 de Novembro de 2012)

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