domingo, 9 de dezembro de 2012

Papiniano Carlos escreveu na morte de Joaquim Lemos de Oliveira, o “Repas”


 
Morreu esta semana, no Porto, o consagrado escritor Papiniano Carlos, um dos últimos representantes do neo-realismo português. Muito escreveu e publicou mas o que o tornou mais conhecido foi o livro ‘A Menina Gotinha de Água’, que todos lemos na infância.
O poeta, autor de "a Terra livre e insubmissa", que somava mais de 60 anos de militância comunista, contava 94 anos.
Papiniano Manuel Carlos Vasconcelos Rodrigues nasceu em Lourenço Marques, actual Maputo, Moçambique, a 9 de Novembro de 1918, fixando-se no Porto, aos 10 anos, onde estudou.
Publicou o primeiro livro de poesia em 1942, ‘Esboço’, quatro anos antes de ‘Terra com sede’, a sua estreia na ficção, e de ‘Estrada Nova’, com capa de Júlio Pomar, obra que seria apreendida pela PIDE, a polícia política da ditadura.
A adesão do escritor ao PCP remonta ao final da década de 1940, no pós-guerra, actuando na clandestinidade com o nome Garcia, numa alusão ao poeta andaluz Federico Garcia Lorca.
Na mesma altura, depois de ter frequentado a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, dedicou-se ao ensino, que teve de abandonar, por se ter recusado a subscrever a "declaração anticomunista", imposta pelo regime aos funcionários.
Deu explicações e foi delegado de propaganda médica. O escritor português foi preso três vezes pela PIDE.
Com Egipto Gonçalves, Luís Veiga Leitão, António Rebordão Navarro e Daniel Filipe, dirigiu "Notícias de Bloqueio", série de "fascículos de poesia", publicados no Porto entre 1957 e 1961, designação da revista, retirada do título de um poema de Egipto Gonçalves.
Colaborou nas revistas Seara Nova e Vértice e integrou os corpos dirigentes do Círculo de Cultura Teatral do Teatro Experimental do Porto.
‘A Menina Gotinha de Água’, para a infância, que viria a marcar o ressurgimento do género, a par das obras de Matilde Rosa Araújo, foi editada na década de 1960 e constitui um dos seus maiores êxitos editoriais.
Entre outros livros, Papiniano Carlos escreveu ‘Mãe Terra’ (1948), ‘As Florestas e os Ventos’, ‘A Rosa Nocturna’ (1961), ‘A Ave sobre a Cidade’ (1973), ‘O Rio na Treva’ (1975).
Há na sua obra um poema que o associa a Fafe e concretamente ao mártir do fascismo Joaquim Lemos de Oliveira, o “Repas”, cujo nome está perenizado na Praça Mártires do Fascismo, no centro da cidade.
Em 1957, por ocasião da morte de “Repas”, nos calabouços da PIDE, no Porto, Papiniano Carlos publicou o poema seguinte:
 
Glória a Joaquim Lemos de Oliveira
 
Em Fafe
O cemitério
ficava entre campos lavrados
a meio da colina.
 
Aí iria descansar o herói anónimo
de sua tarefa, sofrimento e morte.
Sentindo bem junto à violada face
a carícia das madrugadas.
O sorriso das espigas,
a frescura do orvalho de manso
gotejando entre as raízes
de seu coração.
 
Entre alas de povo
o caixão atravessava lentamente
o pequeno cemitério.
Entre dezenas de polícias armados
de metralhadoras
Joaquim Lemos de Oliveira
ia agora descansar no seu coval.
Foi quando, no silêncio da colina,
a voz dum menino atravessou os ares,
atravessou o fogo, o chumbo, a violência,
o terror, a morte.
O menino gritava:
- Eu vou crescer, vencer contigo, meu pai!

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