quarta-feira, 10 de abril de 2013

Um governo reincidente e chantagista


1. Apesar da intensa e insidiosa chantagem exercida pelo primeiro-ministro sobre o colectivo do Tribunal Constitucional (TC), nas últimas semanas, os juízes não se deixaram intimidar sobre as suas hipotéticas “responsabilidades pelo impacto financeiro da decisão” e, na sexta-feira, anunciaram a declaração de inconstitucionalidade de quatro normas do Orçamento de Estado para 2013, o que acabou por não constituir grande surpresa para os observadores. Representam 1,3 mil milhões, ou seja, 0,8% do défice? Há quem, sabendo, fale apenas em 850 milhões, o que não é exactamente o mesmo!...
Já há meses se adivinhava que o OE violava o princípio constitucional de igualdade proporcional e da justa repartição entre trabalhadores do sector público e do sector privado. Surpresa foi a não declaração de inconstitucionalidade da contribuição extraordinária de solidariedade sobre os reformados.
O Constitucional deixa bem claro que a recessão e o aumento de desemprego não podem servir como justificação para "a imposição de sacrifícios mais intensos aos trabalhadores que exercem funções públicas", punindo-os injustamente.
O mesmo raciocínio se aplica em relação ao confisco do subsídio de férias de reformados e aposentados, bem como dos valores pagos por contratos de actividades de docência ou de investigação. O Tribunal Constitucional declarou também inconstitucional o artigo do Orçamento que impõe uma contribuição de 5% sobre o subsídio de doença e uma contribuição de 6% sobre o subsídio de desemprego.
A reacção dos “prevaricadores” foi de alegada “perplexidade”. A deputada e dirigente do PSD Teresa Leal Coelho, que se tem notabilizado pelo ridículo do que diz, manifestou a preocupação do partido que governa este país e acusa mesmo o TC de “um certo alheamento do contexto económico e financeiro da crise das finanças públicas", o que não deixa de ser caricato, porque há um ano foi exactamente o que os juízes fizeram e não se ouviu o PSD criticar o que quer que seja.
A inacreditável senhora atreveu-se ainda a alegar que o Governo e a maioria parlamentar "cumpriram criteriosamente" as imposições do acórdão do ano passado, quando todos estávamos à espera que cumprissem, como é sua obrigação institucional, tão só o articulado da Lei Fundamental que está em vigor!
2. O que está em causa, desde logo, com esta decisão, é a derrota política do chefe do governo, Pedro Passos Coelho, que, pelo segundo ano consecutivo, reincide na ilegalidade, colocando-se em frontal desrespeito pela Constituição da República Portuguesa que, como bem sublinhou o Chefe do Estado, por estes dias, apesar da situação de assistência financeira em que o país se encontra, não está suspensa.
E porque não está é que, com esta decisão, que naturalmente complica as contas do executivo, por culpa própria, se assiste a uma vitória clara do Estado de Direito e do respeito pelas instituições e pela separação de poderes.
Chega de pressionar ilegitimamente outros órgãos de soberania, como o fez, com absoluta virulência, o chefe do Executivo, que deveria estar mais preocupado em cumprir as leis vigentes neste país e em governar devidamente, se é que tem estofo e competência técnica e politica para o fazer, do que se duvida cada vez mais. Na derrota colossal do governo, que não aprendeu a lição do ano anterior, há também um lugar destacado para o símbolo da incompetência e do desaire financeiro destes dois anos. Tem o nome de Vítor Gaspar. Ele fica irremediavelmente fragilizado com esta decisão do Tribunal Constitucional, porque é o responsável pela elaboração do Orçamento que, em dois anos seguidos, enferma da violação de normas constitucionais. A escassa credibilidade do ministro das Finanças, já pelas ruas da amargura, pelos sucessivos falhanços das suas previsões, acaba atolada na lama pelo desafio malogrado aos juízes do Palácio Ratton.
Mas também o Presidente da República sai chamuscado desta situação, porquanto poderia ter enviado, preventivamente, para o Tribunal Constitucional uma lei que indiciava graves vícios de inconstitucionalidade, mas que acabou por promulgar, alegando o “interesse nacional”. Veio-se agora a verificar que, tal como tinha acontecido em 2012, Cavaco Silva não cumpriu as suas funções constitucionais e acabou por promulgar, reincidentemente, uma lei inconstitucional.
Tal como Passos Coelho, Vítor Gaspar e todo o governo, o presidente da República é claramente um derrotado pela decisão do TC.
 
3. Aqui chegados, mais duas notas. De lamentar a exorbitante dramatização do discurso do governo, na sequência da decisão do Tribunal Constitucional, que já era esperada e que não atinge o montante inicialmente especulado. O que se verifica é que o governo quer mascarar os seus falhanços contumazes, do ponto de vista financeiro e orçamental, com esta decisão do Tribunal. Como não consegue acertar nas suas previsões, sucessivamente falhadas e como a execução orçamental do primeiro trimestre parece ser um desastre, nada melhor que uma “cruzada” política contra um órgão de soberania que se limita a exercer as suas funções, para disfarçar e ocultar os insucessos consecutivos do incompetente ministro Vítor Gaspar.
Por outro lado, evidenciar a posição do Presidente da República no sentido de reiterar que o governo tem todas as condições para continuar a governar. Não é o chumbo do TC que vai alterar o que quer que seja. Os falhanços financeiros são sucessivos, as contas estão permanentemente erradas, os “buracos” orçamentais seguem-se uns aos outros. E ainda falta cortar 4 mil milhões de euros, em nome de uma fantasmagoria chamada “refundação ou reforma do Estado”. Que renegoceiem com a tróica, que deixem de ser capachos da Europa!
Se estes cavalheiros não passam de incapazes, como têm demonstrado, que vão pregar a outra freguesia. Pior que eles será difícil encontrar!

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