Após décadas a falar-se da importância dos serviços e das potencialidades do turismo, paralelamente a um grande esforço de desindustrialização e de investimento na economia de casino, eis que o regresso à agricultura e ao mar está na ordem do dia.
E
quem melhor do que o coveiro da agricultura portuguesa e da actividade
pesqueira, enquanto primeiro-ministro, para apelar à necessidade de o país
voltar a pegar nas máquinas e nas rabiças do arado de modo a dar a volta à
situação calamitosa em que os portugueses se encontram, em resultado de
políticas destruidoras do que melhor o país tinha, apenas porque a ganância da
União Europeia impunha a lei do mais forte?
Cavaco
Silva, em mais um 10 de Junho, regressou ao estafado slogan de que «vivemos
tempos de riscos, incertezas e desafios». Por isso, é necessário ir em frente,
de cabeça.
Mas
não deixa de ser verdade que o discurso de Cavaco há uma semana foi demasiado
vazio de conteúdo, volátil, desapegado da realidade e no qual os problemas
fundamentais dos portugueses passaram em claro. O que diz bem do posicionamento
ideológico do Presidente da República, no momento presente, inadmissivelmente assumindo
ser uma “espécie de bóia de salvação do governo” (Constança Cunha e Sá), quando
a missão do Supremo Magistrado da Nação é “ser presidente de todos os
portugueses”. Mas já se viu que não é, nem faz tenção de ser e que não pretende
dizer nada a ninguém, mas apenas marcar presença no discurso rotineiro que tem
de produzir, a cada 25 de Abril ou 10 de Junho que passa!...
Na sua salvífica missão de apontar caminhos para a
pós-troika, como se fosse o que mais preocupa os cidadãos neste momento (daí a
vacuidade deliberada do discurso presidencial…), Cavaco Silva evidenciou a
importância da agricultura (a par do património) como sectores de futuro,
ressaltando a necessidade de aproveitar as nossas potencialidades, “que existem
e são muitas”.
Falou do património cultural como sector estratégico,
evidenciando que um estudo recente concluiu que o património histórico é um dos
domínios em que se verifica maior crescimento do contributo do sector cultural
para a riqueza nacional e que por isso é urgente conceder “especial atenção à
salvaguarda e valorização” do património. Numa altura em que não há minimamente
verbas para acorrer à degradação do património, estamos conversados.
Mas foi na agricultura que Cavaco mais se centrou, desde
logo, obviamente, para se defender das justas acusações de que destruiu a
agricultura e as pescas enquanto foi primeiro-ministro, entre 1985 e 1995.
Disse o Chefe de Estado que “há quem sustente que a
adesão de Portugal às Comunidades [em 1986] implicou a destruição do mundo
rural e a perda irreversível da nossa capacidade produtiva no sector primário.
Este retrato é completamente desfasado da realidade”. É a sua defesa, fraca
defesa.
Desfiou números, estatísticas, argumentos para fazer
crer que o sector agrícola está hoje em Portugal mais forte e produtivo que há
30 anos. Ou seja, a agricultura foi dizimada, o número de agricultores ficou
reduzido a uma percentagem residual da actividade económica, mas no fim de
contas, apesar de tudo isso, milagrosamente, “a produtividade da terra cresceu
22% e a produtividade do trabalho agrícola aumentou 180%”. Espectáculo
malabarístico! Importa-se de repetir?
Ou seja, a situação evoluiu, o analfabetismo agrícola
desapareceu e a paisagem social dos nossos campos mudou – e muito, como quer o
herói de Boliqueime, concluindo que “a evolução da nossa agricultura constitui
um bom exemplo da necessidade de abandonarmos ideias feitas e preconceitos, de
ultrapassarmos a tendência para o derrotismo e o pessimismo”.
Na tentativa frustrada de ajudar o governo, como se
fosse um secretário de estado de Assunção Cristas, Cavaco Silva continua a tentar
transmitir provas de vida, o que nem sempre é fácil.
E desde logo, basta olhar em nosso redor para se
perceber que o discurso de Cavaco não cola com a realidade. Os campos estão ao
abandono, os agricultores que os fabricavam estão a desaparecer, a economia
rural é um mito, a nossa dependência agro-alimentar é assustadora.
Como reagiu o presidente da Confederação Nacional da
Agricultura, além de fazer um «frete ao Governo», o Chefe de Estado está a
regressar “à teoria do oásis», que o caracterizou na década em que governou o
país e fez desaparecer o aparelho produtivo a nível agrícola e pesqueiro.
Por força da pressão e das determinações da Europa, em
função das conveniências, ora se apoiava a plantação de pomares, ora se
incentivava o arranque das macieiras. Ora se investia na vinha, ora se pagava
para erradicar a vinha, em decisões irracionais e criminosas, meramente
economicistas, que ainda hoje estamos a pagar e a lamentar.
Podem ter sobrado empresas com modos de produção
intensivos e destruidores dos recursos naturais. Mas o certo é que, mesmo o
sector agrícola, continua à mercê das grandes superfícies que estrangulam os
preços, que os consumidores pagam com língua de palmo.
Pelo meio, desde o cavaquismo, ficaram os cadáveres de
centenas de milhares de pequenas e médias explorações agrícolas familiares, que
os programas europeus destruíram, inapelavelmente.
E o que não parou de crescer foi o défice da balança
de pagamentos, em bens agro-alimentares, que está na ordem dos 3,5 mil milhões
de euros por ano.
Uma enormidade, de que Cavaco Silva e os seus
sucessores são responsáveis primeiros!
Mas é sempre interessante ouvir falar de agricultura,
porque nela reside a alma da economia de um país, conceito que infelizmente se
perdeu nas últimas décadas, em favor da especulação financeira e da economia
baseada no lucro fácil, no despesismo e no consumismo desenfreados!
Mas é necessário falar da agricultura com verdade, com
perspectivas realistas e não como mero e descredibilizado exercício folclórico,
apenas para marcar calendário, como foi o caso.
(Artigo publicado no Correio de Minho desta segunda-feira, 17 de Junho de 2013)
Sem comentários:
Enviar um comentário