segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Apresentação de "Momentos do Olhar", de João Gonçalves








 
Na noite de sexta-feira, 18 de Outubro, teve lugar na Sala Manoel de Oliveira, em Fafe, a apresentação da obra “Momentos do Olhar”, estreia poética de João Gonçalves.
Tive o privilégio de redigir o prefácio e apresentar a obra, perante dezenas de amigos e familiares do poeta.
Deixo de seguida, o essencial das palavras que proferi na sessão, que contou com a presença do vereador da cultura e poeta, Pompeu Martins e do responsável maior da editora Labirinto, João Artur Pinto, que também felicitaram o autor.
A sessão contou com a participação musical de Diana a Duarte Baptista e leitura de poemas por Acácio Almeida.
“É-me especialmente grato deixar aqui algumas palavras em torno deste livro.
Por ser seu amigo e colega de trabalho há longos anos, mas sobretudo pela agradável surpresa que resulta destes Momentos do Olhar, um título sugestivo que remete desde logo para a pluralidade dos modos de recolher e investir em cada instante de que se cria o poema.
Cada poema nasce do seu momento, reflecte inevitavelmente o olhar interior ou exterior do poeta, as suas emoções, os seus registos oníricos, as suas vivências.
Uma primeira obra, naturalmente, tem os seus pontos mais fortes e as suas fragilidades. Felizmente, os primeiros superam as segundas, e, quando assim é, vale a pena seguir em frente e desfrutar de quanto de luminoso e inesperado se colhe nas páginas do livro.
O poeta é um ser sensível que experimenta a radicalidade das emoções, o esplendor dos sonhos, a aventura do amor. Os corpos quentes da noite, o encontro dos sentidos, a fúria dos instintos. A mistura poética e escultural, de um corpo que é vida e que é arte. A deusa que o poeta ardentemente aspira, para adoração, como fonte de água cristalina e fogo que acendeu o rastilho do desejo. Mas também a sua ausência, a precariedade e a carência do ser amado.
 
Porque amar-te não é pecado
E o amor não tem dono (Ausências, p. 25)
 
Poemas de amor há inúmeros, talvez a maior parte do livro seja um longo poema de amor, em diferentes momentos. Mais ou menos sensuais e até atrevidos.
Como este pequeno texto (p. 14):
 
A fera, ferida,
Felina, de garras afiadas
Olhos, penetrantes
Boca húmida,
Corpo Sinuoso
Curvas traiçoeiras
Lâmina brilhante
De quadril cativante.
 
Ou no poema Memórias (p.26), de que leio um excerto:
 
E nas minhas memórias
Recruto a imagem do teu corpo
Filho de um amor que não é o meu
Maior dos meus encantos
 
E em cada curva do teu corpo
Eu quero estar presente
Quero abraçar-te e sentir
O teu calor ardente
 
Os teus lábios tocando nos meus
Os teus olhos a reluzirem
Meu amor é só teu
Não o deixes partir.
 
Há diversos outros exemplos, mas terão de ser os leitores a enumerá-los.
Uma obra onde o sonho também é político: de Timor “esquecido” (p. 18), em determinada altura, à aspiração dos que lutaram pela liberdade, contra a ditadura, por um país azul! (p. 19):
 
Azul, o sonho
 
Tinham o sonho
O sonho que um dia seria possível viver em liberdade
E foram acreditando
 
Tinham um sonho
O sonho que era possível viver em democracia
Era a esperança
 
Tinham o sonho
O sonho que um dia poderiam regressar do exílio
A Saudade
 
Tinham o sonho
O sonho que um dia cairia a ditadura
Era a vontade
 
Tinham o sonho
O sonho que Portugal seria um país azul
Sim azul!... Como o céu!
 
Uma obra onde o poeta escolhe o lado dos mais fracos, dos desfavorecidos, dos deserdados da vida, dos velhinhos, dos sem-abrigo (p.22):
 
Vítima
 
És vítima do sistema
Que não quer sequer sentir
Que ainda procuras esquina
Para poderes dormir
 
Estendes na pedra fria
Um simples cartão
Que usas todos os dias
Como fosse o teu colchão
 
Serves-te do manto achado
Para poderes pernoitar
E diminuíres o frio
De um sono ao luar
 
Mas também ao menino órfão, que abre sorrisos e arranca lágrimas, ou à “criança sem ninguém e abandonada” (p. 50).
Igualmente há lugar para belas homenagens poéticas ao pai e à mãe, como pilares fundacionais da sua existência.
 
Os poemas são, em geral, sintéticos, enxutos, de uma linguagem tecida no bragal do quotidiano, mas investindo num arrojo literário já assinalável para quem começa. Em imagens e figuras de estilo de que se podem deixar aqui alguns exemplos, extraídos de poemas diferentes:
 
O calor da beleza
Pulsa em minhas mãos…
(…)
sedento, mas forte
Embriago-me nos beijos… (p. 13)
 
Tocar os lábios de mel… (poema Desejos, p. 31)
 
No poema Na madrugada:
 
Apaga-se a lua
Acende-se o fogo do meu coração
 
(…)
Invento caminhos para te ver passar
Talvez um vício, um pecado
Que teme a estrada da madrugada
Onde passo nos mais tímidos dos silêncios.
 
Ou no poema Comparando (p. 51):
 
O cabelo como uma floresta
Os olhos como o Sol ou a Lua
Nas veias oceanos e rios…
A poesia é exactanente tudo aquilo que, pela palavra e pela emoção, comove,sensibiliza e desperta sentimentos.Estas características estão, inteiras, nas páginas desta obra, cuja leitura não posso deixar de recomendar.
Deixo aqui dois poemas breves que marcaram a minha leitura e gostaria de partilhar convosco:
 
Noite (p. 17)
 
Pelas ruas
No frio e no silêncio
De mãos gélidas
Nada encontro
Simplesmente a noite
Mergulhada nos seus silêncios
Murmurando o eco de um nome
Escondido nos seus segredos.
 
Espírito de alma (p. 57)
 
A alma flui…
No horizonte o sol
A onda do mar
Um olhar um adeus
Lágrima que teima
Aconchego ternura
Suspirando, bebendo
Minha pele na tua,
Teus olhos nas estrelas…
Teu toque nas pétalas
No murmúrio das ondas
O sopro da brisa
Teus lábios nos meus
 
Poemas de inegável qualidade literária, tal como a generalidade dos que integram esta obra.
Resta-me deixar felicitações muito amigas ao João Gonçalves, que seguramente tem potencial para novas incursões na área da poesia, valorizando a cultura e os valores do nosso município!”.

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