quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Um livro de vez em quando: “Uma Noite não São Dias”, de Mário Zambujal




Neste início de 2014, deixem-se sugerir um divertido livro que antecipa o que poderá (ou não) ser o mundo dentro de apenas 30 anos.
Estou a falar de “Uma noite não são dias”, de Mário Zambujal, que ostenta o bem-disposto subtítulo de “Intriga e paixões no esquisito ano de 2044”!
Na advertência, o autor escreve: “se está mesmo na disposição de ler este livro, devo prevenir que não se trata de antecipação científica. Teríamos, nesse caso, um aluvião de sábios palpites que o futuro, implacável, acabaria por desmentir.
Ao contrário, o que vai ler é uma história verídica, a ocorrer, garantidamente, no ano de 2044.
É possível que os inevitáveis cépticos e maldizentes tentem beliscar o rigor da narrativa, negando verosimilhança às novidades urbanas, técnicas e de costumes”.
E o certo é que elas desfilam, em catadupa numa obra que nos diverte da primeira à última página, escrita pelo autor de um dos maiores sucessos editoriais da literatura contemporânea, a CRÓNICA DOS BONS MALANDROS.
Começamos com uma enorme avenida que não se alonga na horizontal, como seria normal.
É a Avenida Vertical, nome de uma torre habitacional de 98 andares, símbolo citadino do ‘esquisito ano de 2044’, onde ocorrem dois misteriosos assaltos: o roubo de um helicóptero no heliporto que encima o edifício e o roubo de uma coroa de uma rainha portuguesa na Praça das Artes, uma das várias praças interiores. Nesta atmosfera de mistério desfilam as personagens principais: Antony, um historiador, a sua mulher Grace e o amigo escultor, James, com aquela, farta da vida fastidiosa e rotineira que levava, acabará por ficar, porque “uma noite não são dias”.
Estamos em presença de uma história de subversão, em que Mário Zambujal decide “viajar” até ao futuro, em que impera o domínio feminino.
Em 2044, a escolaridade obrigatória será de 14 anos; a idade da reforma será fixada nos 84 anos, havendo movimentos reivindicativos no sentido de que seja alterada para os 81; depois da doença das vacas loucas e da gripe das aves, será a vez da tosse das rãs; já não serão usadas palavras como evento, incontornável, recorrente ou mediático, consideradas então velharias. O mundo será das mulheres, no governo e no parlamento, onde a lei estipulará rigorosamente um terço de lugares para os homens. Haverá ministras do Labor e da Longevidade, da Modernidade, dos Cofres do Estado, da Tranquilidade Aérea. Portugal arrecadará dúzias de medalhas nos Jogos Olímpicos.
As relações serão a três: dois homens e uma mulher ou duas mulheres e um homem.
É, assim, o mundo das ministras, dos secretários, das futebolistas, das operárias da construção civil desbocadas, enfim, um mundo ao contrário daquele a que nos habituámos e que ajudámos a organizar.
Como são menos, os homens tornaram-se objectos e criaram movimentos de emancipação masculina.
Para a mesma função profissional, as mulheres ganham mais que os homens.
Os robots domésticos estarão programados para arrumar a casa e limpar o pó, mudando até a posição dos móveis.
Em plena Avenida Vertical haverá a Praceta Santana Lopes e o Mercado Paulo Portas. Destaque ainda para o Aeroporto Internacional Mário Lino, na Ota e para o comboio de alta velocidade, o “Relâmpago Sócrates”.
Haverá quem faça férias na Estância Espacial do Inatel, situada a meio caminho entre a Terra e a Lua e a preços muito em conta.
Uma obra caricatural do que poderá vir a ser o nosso futuro, dentro de apenas três décadas. Cenários “esquisitos” que certamente não passarão disso mesmo. Um exercício literário imensamente divertido.



(Texto lido esta quarta-feira, para a Rádio Fundação, de Guimarães, indicando uma sugestão literária)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Herói, apenas



Este domingo choveram
Lágrimas em Portugal
Não de tristeza pelo derradeiro
Remate à baliza da vida
Mas de júbilo pelo privilégio
De termos sido teus contemporâneos
Dos teus pés saíam epopeias
Metáforas asas orquídeas
Para alegria de todos nós
Os teus golos eram poemas
Que levantavam a alma colectiva
Do rés-do-chão dos tempos
Na Luz ou em Wembley
Das tuas cabeçadas floriram palmas
Abraços êxtases paixões
Iluminaste destinos fados afectos
Imortalizaste o melhor que o futebol
Consegue inventar
A magia a fantasia a força
A energia que faz mover corações
E torna mais humanos os homens
Tinhas a pátria dentro de ii
Partilhada com o teu povo
Pantera ou diamante
Eras uma festa imensa em campo e fora dele
Para felicidade dos que te adoravam
O teu coração não resistiu
A tanto amor
Por todos nós
Porque foi por nós que marcaste
De todas as maneiras e feitios
Que enfeitiçaste a bola
Guiando-a para onde a alma era maior
Escreveste no relvado as páginas
Mais notáveis do desporto português
Espalhaste a grandeza de Portugal
Pelo mundo com o talento
Que só os deuses conseguem
Ainda assim eras o mais simples
O mais puro o mais próximo
Da geometria da terra das flores das águas
Vestiste a pele de herói de todo um povo
E apenas te escondeste do nosso olhar

Artur Coimbra
(05.01.2014)

Eusébio partiu hoje, a dias de fazer 72 anos de idade.
Ao longo do dia, tudo foi dito e redito, nas televisões, nas rádios, nas redes sociais.
Apreciei, mesmo, as palavras de dirigentes com que normalmente não vou à bola e que, neste caso, inteiramente subscrevo. Casos de Passos Coelho, Cavaco Silva e Pinto da Costa.
Eusébio era na verdade uma referência colectiva, um traço de união entre os portugueses, de qualquer matiz clubística ou ideológica.

Foi um dos heróis da pátria, que tão escassos tem.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Da corrupção e da crise


Encontro-me, por estes dias, a ler, com o máximo prazer e proveito, a obra “Da Corrupção à Crise. Que fazer?”, da autoria de Paulo de Morais, minhoto natural de Viana do Castelo, ex-vice-presidente da Câmara Municipal do Porto (2002-2005), conhecido professor universitário e vice-presidente da Associação Cívica Transparência e Integridade. Um corajoso e intrépido combatente pela transparência na vida política!

Numa pequena obra de 145 páginas, o autor desmembra algumas falácias que a propaganda oficial monta, incessante e despudoradamente e a comunicação social reproduz, acriticamente, sem o mínimo vislumbre de análise ou de sentido de questionação.
É uma obra que, pelo menos, suscita a maior reflexão de quem a manuseia, porque o que lá se afirma é demasiado sério para podermos passar em claro a realidade que nos rodeia.
Este livro contraria duas mentiras colossais que contaminam a sociedade portuguesa: a de que os portugueses andaram a gastar acima das suas possibilidades e a de que não há alternativa à austeridade.
A primeira é a ideia, repetida até à exaustão, de que os portugueses são responsáveis pela crise, porque esbanjaram, compraram bens de consumo que não deviam e a que alegadamente não tinham direito. Acusam os cidadãos de terem gozado férias caras, terem adquirido automóveis e outros bens sem necessidade, dos telemóveis aos tablets.
Nada mais falso – repete Paulo de Morais.
Até porque, em 2009, no início da crise, 70% da dívida privada financiava a especulação imobiliária e apenas 15% era crédito ao consumo.
“Quem viveu e esbanjou muito acima das suas possibilidades nas últimas décadas foi a classe política portuguesa e seus apaniguados, que se alimentaram da enorme manjedoura que é o orçamento do Estado”, esclarece e dá exemplos: as administrações central e local enxamearam-se de milhares de boys, criaram-se institutos inúteis, fundações fraudulentas e empresas municipais fantasmas. Atrás deste regabofe veio uma epidemia fatal: a corrupção.
A principal causa da crise em que Portugal se encontra mergulhado é a corrupção, sustenta aquele corajoso lutador em favor da transparência na vida política. Alguns grupos económicos, apoiados pelas grandes sociedades de advogados, dominam completamente a actividade política que se transformou, ela própria, numa grande central de negócios.
Indica vários paradigmas, em que o Estado investe e sai sempre a perder, ainda que sejam geradas mais-valias urbanísticas, como foi o caso da Expo 98. Exemplos de corrupção são também as infraestruturas construídas para o Euro 2004, a aquisição dos famosos submarinos no tempo de Paulo Portas, que envolveu o pagamento de luvas, “com corrupção provada e condenados, mas só na Alemanha”. Os escândalos do BPN e do BPP, as PPP sobretudo rodoviárias.
Em todos os casos há negócios fraudulentos, em prejuízo do interesse público e em benefício dos privados e que são os cidadãos que acabam por ter de suportar, à custa da redução dos seus ordenados, das suas pensões, do aumento dos impostos, do enfraquecimento de direitos e garantias, do desmantelamento, enfim, do Estado Social.
Os responsáveis são conhecidos mas a Justiça portuguesa nunca ou raramente castiga os responsáveis pelos escândalos ou pelos crimes de corrupção.
Ainda agora, sustenta Paulo de Morais, enquanto o país empobrece, a classe média se extingue e o desemprego alastra, a corrupção continua a aumentar, os mecanismos de corrupção agravam-se e cresce a promiscuidade entre a política e os negócios. Entre os anos 2000 e 2012, Portugal desceu do 23º para o 33º lugar no ranking da transparência que elenca os países em função da sua capacidade de se libertarem do fenómeno da corrupção. Ou seja, segundo o autor, “Portugal obteve, nesta década, o vergonhoso título de campeão mundial do aumento da corrupção”.
O Estado português chegou à bancarrota porque sucessivos governos andaram a beneficiar os amigos, esbanjando o dinheiro dos nossos impostos, assegura o autor.
Há, no entanto, uma saída, uma alternativa que não é a austeridade, ao contrário do que apregoam com insistência políticos e fazedores de opinião – é o combate à causa maior da crise, o combate à corrupção, cuja luta deveria ser tarefa fundamental de todos as entidades públicas.
Paulo de Morais elenca inúmeros exemplos, em todo o Estado, de alto e baixo, com uma coragem assinalável. E propõe, como saída para a crise, o combate eficaz à corrupção, a transparência na vida pública, leis claras e simples, uma justiça eficaz, que deixa de ser forte com os fracos e débil perante os poderosos, a renegociação global de todas as parcerias público-privadas, a imediata reestruturação da dívida pública, a redução dos alugueres e rendas imobiliárias que o Estado paga neste momento, o combate ao desperdício e a criação de uma nova classe dirigente, para que o país “seja bem governado”, em função do interesse da sua população “e não de alguns grupos económicos que dominam o país de forma feudal”.
Finaliza Paulo de Morais, neste seu livro que todos os portugueses deveriam ler, meditar e divulgar: “Os governantes de que hoje precisamos são os que consigam enfrentar, sem medo, os actuais poderes fáticos que empobrecem o país e preservam uma estrutura económica e política de tipo feudal”.

São esses os nossos votos para 2014, cientes de que não os vamos encontrar. Para mal de todos nós!